HISTÓRIA Nº 5

Minha Pululinha

            Às vezes me preocupo com o porquê de nestes últimos meses ficar constantemente com Leise no pensamento. Será alguma premonição? Realmente não sei. Mas muita coisa e histórias me fazem lembrar dela.

            Agora mesmo acabo de ler, por completo, uma das crônicas de Rubem Alves, “Você e o Seu Retrato”. Dessa que “en passant” retirei tópicos para compor uma mensagem que fará parte de uma entronização no próximo dia 25 de outubro. Deparo-me com uma exposição muito interessante, que já me ocorreu e eu não havia percebido o sentido e, muito menos a possibilidade de tal acontecer. Nesse tópico ele escreve:

É mais fácil amar o retrato. Eu já disse que o que se ama é uma ‘cena’. ‘Cena’ é um quadro belo e comovente que existe na alma antes de qualquer experiência amorosa. A busca amorosa é a busca da pessoa que, se achada, irá completar a cena. Antes de te conhecer eu já te amava... E então, inesperadamente, nos encontramos com o rosto que já conhecíamos antes de conhecê-lo. E somos então possuídos pela certeza absoluta de haver encontrado o que procurávamos. A cena está completa. Estamos apaixonados”.

Pois é. Eu fazia uma busca, não sabia de que e nem de quem, mas fazia. Por que eu acho que isto me aconteceu comigo? Posso até estar equivocado, mas, lá pelos idos de 1963, depois de escrever uma letra para um samba canção, cuja música já havia composto, eu deixei fluir no papel o seguinte soneto:

Para alguém que eu ainda não conhecia:

Tua lembrança é para mim um sonho.

Sinto-te perto de mim e penso ver-te.

E dizendo-me coisas tão lindas,

Neste afã de sonhador, quero crer-te.

 

Tu és para mim a maravilha

de um sonho ainda não vivido,

Tu és a música melancólica,

que eu ouço ou canto comovido.

 

E se volto a mim e não te vejo,

resta-me de te doce lembrança,

que faz nascer-me um tal desejo,

um desejo todo cheio de esperança,

de ter-te para sempre junto a mim,

na mais sublime e terna aliança.

            Muito antes mesmo de ter lido esta crônica eu já havia dito a Leise que este soneto havia sido escrito para ela. Ela sempre retrucava dizendo não acreditar, pois eu nem a conhecia. Talvez ela pensasse que fora para a prima. Mas a essa altura a prima já estava no passado e o soneto sugeria “futuro”. Mas eu acreditava que havia escrito para ela que um dia chegaria. Era como se esse soneto fosse ao mesmo tempo um desejo e uma encomenda ao “Astral”.

Mas agora, depois que li esta crônica do Rubem Alves, com uma bela explanação a respeito, tenho a certeza absoluta que foi de fato para ela.

Da mesma forma e nessa mesma crônica, logo no início, ele comenta sobre a paixão por um retrato, fazendo uma bela distinção entre “retrato” e “foto”. Denomina o retratista “um caçador de almas” e acrescenta uma estrofe do poema de Cassiano Ricardo “Você e seu retrato”:

 

Por que tenho saudade

de você, no retrato,

ainda que o mais recente?

E por que um simples retrato,

mais que você, me comove,

se você mesma está  presente?”

Aconteceu lá pelos idos de maio de 1995, não me recordo o dia, estávamos veraneando em Guarapari-Es, e ficamos sabendo da existência de um Mosteiro Zen-Budista no alto de uma montanha, salvo engano a 600m de altitude, em Ibiraçu, cidade próxima da Capital Vitória. Decidimos ir conhecê-lo, e assim o fizemos. Depois de uma subida bastante íngreme, chegamos a uma entrada plana, quase no topo que ficava mais acima uns 400 metros. Estacionamos o nosso automóvel e dali deveríamos seguir a pé. Mas, antes de atravessarmos o pórtico nos deparamos com uma linda paisagem e, nesses momentos, se dispomos de uma câmera, geralmente tiramos uma foto. Só que, naquele momento, contagiado pela beleza da natureza circundante, consegui não uma foto, mas um retrato. Esse retrato, comparado com todos os demais de Leise, desde a infância, sem sombra de dúvida é o mais lindo. E observe-se que retrato de criança nunca é ruim. Mas este supera até o da criança. Com toda certeza, naquele momento consegui capturar a alma da retratada. Naquele momento consegui ser um retratista e aprisionei aquele pássaro mágico e invisível que mora na retratada, como afirmou o cronista. É realmente o mais lindo retrato, com um sorriso franco, sereno e muito espontâneo. Assim vivo repetindo essa afirmação.

Em um filme “Água com açúcar” que assisti há muito tempo, Escrito nas estrelas, havia uma cena em que um falecido aparecia ao mesmo tempo à sua viúva e a uns amigos, que estavam reunidos, com uma aparência bem mais jovial e serena que aquela antes do seu passamento. Todos ficaram admirados e lhe perguntaram o porquê daquela transformação. Ele respondeu que do outro lado da vida terrena assumimos a fisionomia que mais nos agradou na vida terrena e com a qual nos sentíamos melhor.

Assim sendo, até pedi à Leise que, se ela se for antes de mim, me aparecesse tal como naquele retrato, à semelhança do que ocorreu também com a falecida mulher do protagonista do filme, e mesmo se eu já estiver por lá, gostaria de vê-la assim.

Também, como escreve o cronista, me apaixonei tanto por esse tal retrato que pedi a uma artista plástica guidovalense, minha particular amiga e conterrânea Maria Cecília da Cunha Benine, que o transportasse para uma tela, o que ela o fez com tamanha maestria.

Aí também vai outro sonho antigo realizado. Sou da época em que, ao assistirmos a um filme (naquela ocasião sempre mais românticos e não violentos) penetrávamos na tela do cinema e vivíamos todas as emoções dentro do próprio filme. Naqueles que reproduziam momentos históricos com reis e aristocratas, estes sempre dando uma de “mecenas”, abrigavam soberbamente grande artistas para que estes perpetuassem suas amadas em telas imortais.

Também há muito tempo pretendi fazer isto. Só não sabia como. Depois desse retrato essa idéia ficou mais ativa. E depois que li a referida crônica do Rubem Alves, mais ainda. Só não sabia a quem contratar.

Porém, no início deste ano, ao percorrer a feira dominical na Avenida Afonso Pena em Belo Horizonte, onde sempre faço uma visita a essa artista plástica minha conterrânea, vi um lindo retrato que ela havia pintado. Algum tempo depois pensei encomendá-la esse trabalho. Mas somente em setembro último, ao retornar de Belo Horizonte, deixei lá com a minha prima Maria do Carmo Marotta uma cópia ampliada do tal retrato, para que ela o apresentasse à artista. De lá ela me telefonou pedindo-me que lhe enviasse por e-mail outras cópias com recortes ampliados, para que a fisionomia da retratada fosse mais bem reproduzida. Assim o fiz. Ela me disse que em cerca de 30 dias me enviaria a tela pronta, pelos correios, com toda segurança. Pensava eu que a demora seria bem maior. Mas achei a idéia fabulosa, porque assim sendo, poderia entronizá-la em nosso lar no dia da comemoração do quadragésimo aniversário do nosso filho mais velho Alex, em 25 de outubro próximo, quando estariam presentes as irmãs de Leise e outros amigos.

Tudo isto foi e está sendo feito no maior segredo. Pedi a ela que remetesse o quadro para o endereço da minha cúmplice Leda Del Caro Paiva, que também me ajudaria na execução do plano da entronização. Como diria o Rubem Alves, quem fala entronização também já denuncia a idade. Porque entronização, até meados do século passado, ainda segundo milênio, era um evento sagrado, através do qual um sacerdote abençoava a introdução de um quadro ou imagem de um santo num lar.

Com toda certeza, a entronização que pretendo não é menos sagrada, muito embora não conte com a presença de nenhum sacerdote, mesmo porque Leise ainda está longe da canonização. Mas o evento ocorrerá com pompas e circunstâncias. Eu serei o oficiante da cerimônia, da mesma forma que eu mesmo cuido dos meus destinos religiosos e sou o elo entre eu e o Altíssimo.

Difícil mesmo está sendo manter este segredo. Algumas vezes, depois da obra de pintura do nosso apartamento, tive que justificar a permanência de um ponto de fixação de quadro numa parede e eliminação de outros que viriam depois da entronização, para adequá-los à altura do principal. Leise sempre queria saber o porquê. Além disto, fico ansioso para contar para alguém o que vai acontecer, mas não posso atrapalhar a surpresa. O fato é que tudo deverá ser realizado conforme o planejado e, depois da cerimônia, com certeza, registrarei o evento.

Brasília, 19 de setembro de 2008.

 

HISTÓRIA Nº 07

A ENTRONIZAÇÃO

            Dando seqüência à História nº. 5, chega o momento da realização da entronização propriamente dita, observando todo um planejamento prévio para surpresa geral, a exceção daquelas duas pessoas que mencionei anteriormente, a Leda Del Caro e a Maria do Carmo.

            Chegou o dia 25 de outubro de 2008, dia em que o nosso filho mais velho, o Alex, comemorava os seus quarenta aninhos, cinco dias antes da data oficial.

            Já haviam chegado à véspera todos os parentes e amigos de outras localidades. Já de manhã eu começava a por em prática todo o planejamento, cuidando para que nada escapasse à programada surpresa. Ninguém desconfiava absolutamente de nada, mas tudo estava pronto para o evento: a tela no apartamento da Leda, que fica na prumada oposta à minha, devidamente coberta com um tecido de aniagem escura e com forro, afim de não permitir a visualização daquilo que deveria estar oculto o tempo necessário, mas pronta para mudar de local no tempo certo; o espumante a ser estourado bem como as taças, no apartamento da nossa vizinha Graça Benjamim, que guardava tudo sem perguntar e sem saber a que se destinava; 10 cópias da foto da tela, com o colorido desbotado no computador, sobre as quais imprimi um pequeno texto alusivo ao evento, que será mostrada ao final e também uma cópia da História nr. 5, que deveria ser lida como parte do evento pela minha prima Maria do Carmo Marotta.

            A cerimônia deveria ser iniciada impreterivelmente às 12 horas, às 12 batidas de um relógio “8”, muito antigo, um presente/herança da avó de Leise, D. Maria Alves Dumbá. Isto, para dar um toque saudoso nesta cerimônia, considerando-se que, com exceção da minha prima Maria do Carmo, os outros parentes presentes eram da família de Leise que cresceram vendo e ouvindo as batidas desse mesmo relógio na casa da D. Maria.

            Mas, para montar o cenário, era necessário que num dado momento, ou seja, pelo menos uns quarenta minutos antes eu pudesse expulsar todos da casa, sem que ninguém desconfiasse de nada, inclusive e principalmente Leise. Para tanto deveria continuar contando com a cumplicidade da Leda e da Maria do Carmo.

            Assim, saí de casa e me dirigi ao apartamento da Leda passando pela garagem do prédio. Lá já se encontrava a Maria do Carmo pronta para conduzir a tela pela passagem da garagem, enquanto a Leda telefonava ao meu apartamento pedindo à Leise que convidasse e levasse todos os que estavam em casa para conhecer o seu apartamento dela, no que foi satisfeita sem nenhuma recusa, nem mesmo das crianças. Nesse ínterim eu e a Maria do Carmo colocamos a tela no espaço preparado bem como as demais coisas que seriam utilizadas no momento.

            Aproximadamente uns oito minutos antes das doze horas eu telefonei para a Leda pedindo para mandar as pessoas de volta e que também os acompanhasse, porque outros amigos daqui de Brasília, que eu havia convidado para o evento, bem como meus filhos, minha nora e minhas netas já estavam aqui. Prontamente atendido, mesmo porque a Leda, sem dar a conhecer, sabia bem o que deveria fazer no exato momento. Enfim, todos os interessados estavam na sala por volta das 11,47 horas, observando surpresos um quadro coberto na parede, sem fazer a menor idéia do que estaria por acontecer daí a dois ou três minutos.

            Exatamente à primeira batida do relógio, pedi a dois sobrinhos mais altos que enrolassem um tubo que se achava pendente na parte inferior do quadro, descortinando pouco a pouco a tela sobre a qual aparecia um retrato de Leise, pintado pela artista plástica guidovalense Maria Cecília da Cunha Benine.

            Exposta a tela ao estouro de um espumante e às batidas das doze horas, a minha prima passou a ler os textos que eu havia escrito para o momento com atenção e alegria de todos pela homenagem prestada a Leise, que tenho a certeza, foi endossada por todos. Aí, distribuí aos parentes e amigos uma copia da foto da tela contendo um texto por sobre ela, como aparece ao final.

            Também aconteceu outra surpresa: esta não prevista no planejamento. Surgiu inusitadamente da intuição da tia de Leise, a Nice Gonçalves Dumbá. Professora, Diretora de Escola de Primeiro Grau por longa data, hoje aposentada, sempre ligada desde a juventude à vida cultural da cidade de Corinto-MG, onde já foi Diretora da Casa da Cultura. Ela tem um dote especial para a declamação, coisa atualmente em desuso perante a juventude moderna. Declamar também é visto como coisa de velho. Mas, como já disse anteriormente, Entronização também é coisa de velho e, neste caso e neste momento, não somente veio a calhar como também abrilhantou soberbamente o evento. Com muita maestria ela declamou uma linda poesia de autoria de Arribel Filho “A Realeza da Mulher”, que também será transcrita ao final.

Além da beleza natural dessa poesia a declamação primorosa de Nice, veio também corroborar em justa medida com as intenções dedicadas à homenageada.

            Depois de tantas emoções foi servido um almoço aos presentes que também aguardavam a festa principal do dia, a comemoração do quadragésimo aniversário do nosso filho mais velho, o Alex.

Brasília, 20 de março de 2009.

 

 

 

 

 

 

 

 

REALEZA DA MULHER

                                                           Arribel Filho

 

 

 

Ester, Judith, Abigail , Raquel,

São tão formosas filhas de Israel

Que seu fulgor dos astros se avizinha,

Deus escreveu em capítulos fatais,

Para provar que, sempre, em terra de mortais

“Toda mulher nasceu pra ser Rainha!”

 

Quando em socorro a Jerusalém,

Zorobabel, o rei, surgiu, do além,

Como pasmado o povo se detinha...

É que as mulheres davam seus colares,

Como a clamar em desafio aos ares:

“Toda mulher nasceu prá ser Rainha!”

 

Quando uma vez com ódio sanguinário,

O Rei dos Reis morria no Calvário,

À luz sangrenta lá  ficou sozinha,

Mas, não, que se os apóstolos falharam,

Seis mulheres lá se apresentaram,

“Pois, a mulher nasceu prá ser  Rainha!”

 

 

 

 

 

 

Criando o mundo quis a Providência

Doar ao homem força e inteligência,

Mas, à mulher quis dar tudo o que tinha,

Entesourou-lhe n’alma um coração,

Para dizer a toda a criação...

“Toda mulher nasceu prá ser Rainha!”

 

 

Rainha numa escola a doutrinar...

Rainha, sobretudo no seu  lar,

Quando aos  filhinhos seus ela ensina,

Aos pés do padre mitigando a dor,

Ou num convento aos pés do Salvador,

“Toda mulher nasceu prá ser Rainha!”

 

E eu vejo agora um soberano vulto,

A quem os próprios anjos prestam culto,

Que é virgem Mãe de Deus e minha,

Ela fez do Rei dos Céus seu templo,

Para que, sempre, a seu exemplo

“Toda mulher nasceu prá ser Rainha!...”

 

Com muito carinho e amizade,

Nice Gonçalves

Brasília, 25 de outubro de 2008

 

 

 

 

 

Participaram da Cerimônia da Entronização

 

Da cidade de Belo HORIZONTE_MG:

João (cunhado de Leise)

Leila Gonçalves de Oliveira (irmã de Leise)

Maria do Carmo Marotta (prima do Plinio)

Da cidade de CORINTO_MG:

Nice Gonçalves de Oliveira (Tia de Leise)

Osvaldo (cunhado de Leise)

Lucimere Gonçalves de Oliveira (irmã de Leise)

Maíla, Maiara e Ítalo (sobrinhos de Leise)

Da cidade de Coronel FABRICIANO_MG:

Carlos Assis Gonçalves (primo de Leise)

Da cidade de CURVELO_MG:

Ailtom Antonio Assis (cunhado de Leise)

Liliane Gonçalves de Oliveira Assis (irmã de Leise)

Luciana e Daniel (sobrinhos de Leise)

Da cidade de BRASÍLIA_DF:

Alceu Azevedo e Graça (amigos da família)

Leda Del Caro Paiva (amiga da família)

Denize de Fátima Borgato (amiga da família)

Maria das Graças Benjamim (amiga e vizinha de porta)

Tarcísio e Valéria (amigos e vizinhos de porta)

 

 

A Tela: Leise G. O. Meireles

Pintada pela artista plástica guidovalense

MARIA CECILIA DA CUNHA BENINE